Monday, August 21, 2006

MISSA FALHADA (II)



Disse em Post anterior (MISSA FALHADA), o que achei por bem dizer sobre uma missa que foi realizada na basílica da Estrela no dia 18 (ou 17) de Agosto corrente (2006), a propósito do centenário do nascimento de Marcelo Caetano.

Mas só depois de escrever essa nota, acabei de ler o excelente ensaio de Vasco Pulido Valente sobre o dito senhor, no PÚBLICO de 17 de Agosto.

E se me insurgi contra o facto de a tal missa ter sido notícia de jornal, com fotografia do evento, que pressupõe ter havido publicitação do acto que só se entende na dimensão privada da sua natureza, faltava-me constatar no citado trabalho de Vasco Pulido Valente que a tal missa correu o risco de ser, digamos, afectivamente ilegítima:

É que o “contemplado” pelo acto litúrgico, segundo uma carta que escreveu do Brasil para uma pessoa íntima, quando faleceu já nem era religioso. E passo a citar Vasco Pulido Valente, que cita o próprio:

[ «… A partir da fé em Deus pode ser-se cristão, budista, xintuísta, seja o que for. Se falta a fé, o resto é hipocrisia social, casca sem miolo. Ora, eu perdi a fé. Por um processo lento, que dura há bastantes anos, durante os quais lutei com a razão, procurei não abandonar práticas, evitei dar escândalo. O caso é que nada mudou. Às vezes perde-se a fé e conserva-se o respeito pela Igreja em que ela foi vivida: em mim desapareceu uma e não ficou o outro. Mas são coisas distintas: não sou mais católico, porque (parece haver aqui uma falta de texto mas é como está no trabalho citado) que definem o catolicismo; não sou mais cristão, porque não acredito na Divindade de Cristo; não sou mais religioso, porque não presto culto a Deus, a quem não nego, apenas considero a criação e conservação do mundo um grande e prodigioso mistério insusceptível de ser penetrado pela inteligência humana, capaz apenas de procurar hipóteses explicativas, das quais a existência de Deus é uma.»
E quanto à Igreja, Marcelo é taxativo:
«…a Igreja é uma organização humana, política, oportunista, que capta fiéis como os candidatos captam votos.
(…)»]

Pois é. Sendo assim, se calhar, o homem até nem queria mesmo era missa nenhuma…

E então, fica uma dúvida: as pessoas que encomendaram a missa e as que a ela assistiram, se calhar, não conheciam assim tão bem o falecido…

Ou será que em vez de estarem a assinalar a sua memória, estavam antes a servir-se dela para se assinalarem a si próprias?

Não seria melhor que deixassem o País esquecer-se dele?
Afinal, e continuando a citar Vasco Pulido Valente, o senhor terá deixado escrito que não queria voltar a Portugal «nem morto».
E assim se fez.
E então, se calhar, o seu desejo era mesmo ser esquecido.
Por isso, como diz o comentário nº4 ao post anterior, familiares, amigos e alunos, façam lá o que lhes apetecer em sua memória;
mas sem exibição pública.

Se não quiserem conter-se por nós, cidadãos do Estado de Direito que ele renegou até depois da morte, contenham-se por ele…

E essa coisa das missas, o melhor é fazerem uma revisão dos seus últimos escritos…
Se calhar, o senhor não aprecia…

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Tinha lido o ensaio de Vasco Pulido valente em "vôo picado".
Fui ler melhor e é realmente um magnífico trabalho.
V.P.V. é historiador. E enquanto historiador, manifesta grandes qualidades que nem sempre tem enquanto cronista.

Mas há uma coisa interessante em toda esta história: se V.P.V. cita as cartas de Marcelo Caetano, é porque elas estão publicadas.
E sendo assim, dada a manifesta ausência de religiosidade do Senhor nos últimos anos de vida, o que só demonstra uma grande inteligência e livre-arbítrio,qualidades que parece nunca ter tido enquanto político, é realmente abusivo andar a fazer missas a pretexto da sua memória. A própria igreja, que ele zurze e muito bem (!), deveria conter-se, respeitando, pois sim, a vontade dos familiares, mas recomendando a maior discriçao nos actos, uma vez que, como diz e muito bem "Sem Anos de República", chega a ser duvidosa a sua legitimidade afectiva:
Se o Senhor manifestou tão claramente a sua ausência de fé e a sua firme vontade de não regressar a Portugal «NEM MORTO»!, o melhor que se podia fazer em sua memória e respeito, se calhar, era mesmo esquecê-lo.

4:48 PM  
Anonymous Anonymous said...

E parabéns pelo Blog.
"Sem Anos de República", é uma ideia fascinante.
E os textos, parecem-me um oásis neste lama mental em que vive este "império do capado" como lhe chamou Lobo Antunes, que dá pelo nome de Portugal.
Ouve-se rádio, vê-se Tv. Lêem-se os jornais, e passam-se semanas sem ver nem ouvir uma verdadeira notícia... uma denúncia bem feita... uma simples frase bem construída em bom Português.
Não pare!

4:58 PM  
Anonymous Anonymous said...

Obrigado Tibério, pela FORÇA.

Veja ao k nós chegámos: antes do 25 de Abril, os mortos votavam; agora...
fazem-se missas públicas pelos agnósticos....
Palhaçada.... Pobresa.... Desonestidade!
Que país tão triste, o nosso.

4:02 PM  

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